domingo, 30 de outubro de 2011

Estupidez ou demagogia?

Pastores e carneiros do pensamento único transportam no bolso uma pequena cassete a que recorrem para depois dissertarem as teorias do tio patinhas.
Nessa cassete não cabem mais de uma dúzia de frases pré-fabricadas, das quais destaco: andámos anos e anos em festa, chegou a altura de pagar a conta; vivemos acima das nossas possibilidades e temos todos de pagar por isso; todos temos que fazer sacrifícios para que o país possa prosperar.
Assim, ricos e pobres, afortunados e azarados, vencedores e perdedores, bandidos e vítimas estiveram anos a fio ora num banquete suculento temperado com pipas e pipas de tintol, ora na pista de dança em perpétuos movimentos de lazer, preguiça e prazer.
Com certeza que, por exemplo, professores da escola pública que ganham miseravelmente para a importância inerente à sua função, estiveram na mesma festa que, por exemplo, Jorge Coelho. Com certeza que, por exemplo, enfermeiros que ganham miseravelmente para a importância inerente à sua função, estiveram na mesma festa que, por exemplo, Oliveira e Costa. Com certeza que, por exemplo, os pequenos empresários estiveram na mesma festa que, por exemplo, os grandes empresários. Perante os prejuízos, somos todos iguais!  
Dizem os seguidores do pensamento único que por termos gasto mais do que produzimos temos todos que pagar a dívida… mas como foi contraída essa dívida? Não seria perfeitamente natural realizar uma auditoria a essa dívida para perceber as suas origens e composição? Não, se quisermos institucionalizar a corrupção.
Ainda assim sabemos algumas coisas. Sabemos que, relativamente às famílias portuguesas, apenas 40% destas estão endividadas. Sabemos também que desses 40%, 30% correspondem ao crédito à habitação, tipicamente considerado de baixo risco uma vez que o banco tem sempre a garantia do imóvel. E sabemos ainda, através da matemática mais elementar, que apenas 10% dos portugueses estão endividados devido ao crédito ao consumo.
É este o retrato de um povo que se endivida desmesuradamente.
Por fim, uma pequena reflexão sobre o crédito mal parado. É verdade que muita gente se endividou irresponsavelmente. Mas não é menos verdade que os bancos comerciais efectivaram campanhas publicitárias altamente agressivas de estímulo ao crédito, assentes em todas as plataformas possíveis: televisão, rádio, placards publicitários, panfletos… na verdade, só os ermitas se livraram deste apelo continuo à veia consumista.

domingo, 9 de outubro de 2011

Enquanto a ironia ainda for de graça ao domingo!

Hoje soube que os museus vão deixar de ser pagos ao domingo. O que até é bom! Antes ainda havia quem ficasse na dúvida entre ir com a família ao Colombo, ou ir ao museu do Oriente cultivar o espirito. Agora é logo: Colombo. Já percebo porque há centros comercias ao virar de cada esquina. Com o preço da gasolina, é sempre bom o único programa gratuito de domingo estar à distância de um passo.
Quando vi a notícia, pensei(algo que ainda também não se paga): isto deve ser por Portugal ser um dos países que mais consome cultura, e por sermos dos mais ricos da Europa. Errado. É para os museus passarem a ter mais receitas, para poderem abrir mais horas. O que é bom, já que os empregados dos museus queixaram-se que ficar apenas 8 horas sem ver uma alma penada não chegava. Agora é 24 horas aberto, sem ninguém!
Na entrevista que deu, o tal secretário de estado inculto disse que é tempo de poupar e que "o facto de haver menos dinheiro é uma oportunidade para administrar melhor o dinheiro do contribuinte". É sempre bom imaginar como é que se consegue gerir 0 euros. Eu neste momento já pensei como fazer isso com esta soma tão avultada que se encontra na minha carteira, e ainda não me surgiu nenhuma medida extremamente eficaz. Deve ser por isso que não sou Secretário de Estado da Cultura. Deve ser por achar que museus de borla até que era uma coisa boa....

quinta-feira, 22 de setembro de 2011

Todos somos Troy Davis.

Na noite de quarta-feira, dia 21 de Setembro, Troy Anthony Davis foi morto cobardemente, através do método por injecção letal, no Estado da Geórgia. A sua condenação foi proclamada, sem confissão do homicídio a que estava acusado, ou qualquer arma do crime encontrada. A acusação foi assente em testemunhas várias vezes descredibilizadas, e através de uma investigação criticada até pelo congresso da "grande Democracia" dos Estados Unidos da América.
Desde o Papa, ao governo francês, foram vários os pedidos públicos para que a sentença de pena de morte fosse revogada. Em vão. Troy era negro. O polícia que morreu branco. A Georgia, um estado sulista.
A justiça não funciona, quando homens decidem quem deve ou não ter o direito permanecer neste mundo. Ela não é cega, nem aqui, nem no país que tem dedicado a sua história a "proliferar a democracia pelo mundo". Ela vê cores, partidos, religião,vê dinheiro. A justiça norte americana tem uma boa visão.
Quando um homem é morto por uma decisão judicial, morre um pouco da nossa liberdade. Quando uma condenação é feita, sem que para isso haja provas irrefutáveis de que tenha existido um crime, morre um pouco dos nossos direitos como cidadãos.
Quando morre um Troy Davis, morre um pouco de nós.

quarta-feira, 3 de agosto de 2011

Ska P A la mierda+Animales de Laboratorio

Transformação - Zine - Dias de Guerra, Noites de Amor - Extratos

Se o conhecimento acumulado da civilização ocidental tem algo de valor para nos oferecer hoje, é uma consciência das diversas possibilidades quando pensamos na vida humana. Os historiadores, sociólogos e antropologos, podem pelo menos nos mostrar uma coisa: que os seres humanos viveram em milhares de diferentes tipos de sociedade, com dezenas de milhares de códigos e valores diferentes, dezenas de milhares de relações entre pessoas e com o mundo que as cerca, dezenas de milhares de conceitos e maneiras de ser. Viajando um pouco podemos chegar às mesmas conclusões, isso se não chegares lá depois da Coca-Cola :) e não passar a viagem trancado numa porcaria de albergue num clima de pseudo-reality-show.

É por isso que não consigo deixar de rir quando alguém diz algo a respeito da "natureza humana", referindo-se a alguma fatal e imutável característica humana ou suposto destino. Já pararam para pensar que temos um ancestral em comum com os ouriços-do-mar?! Que a regra é a mudança e adaptação para onde quer que se olhe?! Se ambientes diferentes podem tornar esses primos distantes tão diferentes de nós, o que se pode dizer do que podemos nós tornar-nos se mudarmos as nossas intenções, se permitirmos a nós mesmos viver num ambiente libertário, diferente desse pesadelo de competição e consumo capitalista?! Se existe algo em falta (e muita gente admite que falta muita coisa) nas nossas vidas, se há algo tão desnecessariamente trágico e sem sentido nas nossas trajectórias, existem também lugares e meios onde a felicidade ainda não foi procurada, que permanecem inexplorados. Então o que precisa ser feito talvez seja modificar estes espaços e ambientes para melhor. "Se queres mudar o mundo, precisas antes de mudar-te a ti mesmo", é isso que diz o ditado. Pois bem, aprendemos que esta relação é reciproca , e que ao contrário também.

Há ainda outra descoberta valiosa alcançada pela nossa espécie, ainda que tenhamos aprendido isto por um caminho bem doloroso: somos capazes de transformar completamente os ambientes. O lugar onde tu te deitas, sentas ou ficas de pé lendo este texto, provavelmente era completamente diferente há menos de uma centena de anos, para não dizer há dois mil anos, e praticamente todas essas mudanças foram feitas por seres humanos. Nós refizemos completamente o nosso mundo nos últimos séculos, transformando as condições de vida de quase todo tipo de planta ou animal, acima de tudo de nós mesmos. Só nos resta experimentar (ou não) essas mudanças intencionalmente, de acordo com as nossas necessidades ao invés de realiza-las segundo forças irracionais, desumanas, como competição, superstição, rotina.

Depois de nos darmos conta disso, poderemos lutar por um novo destino para nós mesmos, tanto individualmente como colectivamente. Não seremos mais atirados de um lado para o outro por forças que supostamente estão fora do nosso controle; ao invés disso, nesta viagem de auto-conhecimento através da criação de novos ambientes, descobriremos tudo aquilo que podemos ser. Este vai nos levar para fora do mundo que conhecemos, muito além dos horizontes mais distantes que podemos ver de onde estamos. Tornaremos-nos os maiores artistas e a nossa maior obra.

Para conseguir isto, vamos precisar aprender coisas difíceis, porém gratificantes, coexistir com a diferença sempre que ela não seja hierárquica, colaborar com outras pessoas na busca do êxito: só assim perceberemos o quão indissociáveis são as nossas vidas, só essa percepção pode permitir-nos ter outro horizonte. Até que a mudança se torne possível e quotidiana, não nos será negado o nosso potencial nem o dos nossos companheiros, porque o mundo que nos faz e no qual temos que viver é fruto da vontade e do esforço de todos.

Aquilo que também nos falta é o conhecimento dos nossos próprios desejos. Desejos são coisas escorregadias, mutáveis e difíceis de se concretizar, quanto mais de acompanhar. Se vamos ter como objectivo a busca e transformação dos nossos desejos e vontades, devemos antes de tudo encontrar maneiras de descobri-los e liberta-los. Se assim for, nenhuma experiência ou aventura será jamais suficiente, todas elas serão complementares. Portanto os criadores deste novo mundo deverão ser mais generosos e mais gananciosos que todos os que os antecederam: mais generosos uns com os outros, e mais gananciosos pela vida!

quinta-feira, 30 de junho de 2011

Grécia, solta a revolta!!

Mario Draghi foi nomeado o novo Presidente do Banco Central Europeu, graças ao apoio de Nicolas Sarkozy. Para quem não sabe, Draghi foi membro da administração da Goldman Sachs, banco de investimento americano, unanimemente considerado um dos principais responsáveis pela crise do subprime.
Draghi foi também acusado de dissimular as contas públicas do anterior governo grego, escondendo o largo endividamento do país. Draghi negou qualquer envolvimento nas "más práticas" do banco, alegando que estas ocorriam antes de ele lá estar.
Aonde é que vi uma história parecida??? Ah, é igual à de Henry Poulson, antigo administrador da Goldaman, que foi nomeado Secretário de Estado do Tesouro dos E.U.A., um pouco antes de estalar a crise.
Ao menos, nós europeus, aprendemos com os erros...

quarta-feira, 29 de junho de 2011

Contornos medievais de um actual sistema de justiça criminal

 A propósito do mediático caso “Strauss-Kahn”, interessa olhar e avaliar o sistema de justiça criminal estado-unidense, que apesar das diferenças legais entre os Estados, nomeadamente na consideração que fazem sobre a pena de morte, pode ser analisado na sua unidade. 
O facto de os EUA terem a maior taxa de encarceramento do mundo, demonstra, desde logo, o reflexo de um sistema repressivo. Um sistema que, segundo um estudo realizado em 2009 pelo centro de pesquisas norte-americano Pew Center, coloca um em cada cem norte-americanos adultos na prisão e um em cada quarenta e cinco em liberdade condicional!
O peso da pena aplicada aos condenados é impulsionado no caso de se tratar de reincidência, seja qual for a gravidade do acto criminoso. Isto pode levar a que um indivíduo que tenha sido pela segunda vez apanhado a vender droga, mesmo que o valor da mercadoria ilegal que transaccionava não passasse de 15 dólares, a ficar preso por um período de dez anos. Este exemplo é o reflexo de um sistema que aplica sanções duríssimas de forma rotineira e vulgar. Escassos recursos são utilizados para a reabilitação dos reclusos, sabendo-se que o enclausuramento prolongado não os reabilita, estimulando antes o seu comportamento violento. A dimensão do orçamento para o sistema prisional, representa o desperdício de fundos que podiam ser dirigidos para o desenvolvimento de programas de prevenção da criminalidade, para a melhoria das escolas públicas, para reabilitar as áreas urbanas, etc.      
Pessoas como Strauss-Kahn, acusadas de crimes sexuais (os quais, pessoalmente, são dos que mais me indignam e enfurecem), caso sejam condenadas, para além das décadas de prisão a cumprir, o que é justo, uma vez que os seus actos se perpetuam na memória das vítimas, são obrigadas a inscrever-se no registo de “sex offenders” (agressores sexuais), o qual constitui uma lista negra de acesso público.
Antes das considerações filosóficas e morais sobre um sistema criminal repressivo, deve-se centrar as atenções para uma patologia do sistema de justiça em praticamente todos os países. Os indivíduos mais abastados são alvo de uma sentença distinta relativamente aos restantes, uma vez que, possuindo meios para contratar grandes advogados, vêem a lei ser-lhes aplicada de forma diferente. Assim, no caso dos EUA, as sanções draconianas são impostas aos mais pobres, principalmente aos negros e latino-americanos.   
Em muitíssimas ocasiões, o sistema de justiça estado-unidense promove a condenação sem julgamento. Na sua maioria, os processos penais são resolvidos através de acordos entre o Ministério Público e o acusado, onde se implementa uma condenação mais suave como contrapartida para o Estado evitar despesas de julgamento. No caso de o acusado ser condenado por um crime do qual poderia se ter declarado culpado, o juiz aplica-lhe uma sanção maior que se designa por “trial tax”, ou seja, aplica-lhe uma “espécie” de “imposto sobre julgamento”. Desta forma, poucos réus se dispõem a ir a julgamento.  
Muitos dos altos responsáveis do sistema judicial americano, ignoram as ciências sociais e humanas, designadamente a criminologia, mostrando indiferença perante os estudos que demonstram as grandes lacunas do respectivo sistema penal.
Os EUA são, assim, o exemplo perfeito do facto de a repressão criminal não tornar uma sociedade mais segura, pois representam o país com as maiores taxas de homicídio do Ocidente, com larga vantagem sobre os que se seguem.

sábado, 18 de junho de 2011

Novo Governo governado pela Troika

Com a crise financeira à escala global, evidenciando as lacunas estruturais do sistema ultra liberal, o governo eleito tem um cariz, precisamente, ultra liberal. O problema não está nas pessoas votarem bem ou mal, nem coloco isso em questão, o problema está no tratamento parcial a que a informação é sujeita nos principais órgãos de comunicação social. Chega a ser sufocante.
Olhando para o governo... vejamos... um Primeiro-Ministro ( Passos Coelho) que faz uma campanha repleta de incorrecções, ganhando-as face à quase impossibilidade de as perder, está, com certeza, descompassado. Um Ministro da Economia ( Álvaro Santos Pereira )  cujo pensamento representa, cruamente, a ideologia ultra liberal. Um Ministro das Finanças ( Vítor Gaspar) que, provavelmente, não é tão ultra liberal como o da economia.  Um Ministro dos Negócios Estrangeiros ( Paulo Portas) que ...que... que tanta coisa. A partir de agora somos: 100% pró-americanos, 100% pró-Israel, 100 % pró-nato, 100% coniventes com as guerras, torturas e massacres perpetuados pelos esmagadores exércitos ocidentais. Um  Ministro da Saúde ( Paulo Macedo ) que é anunciado como sendo muitíssimo exigente, faltando saber a direcção para a qual essa exigência se direcciona, pois esta não representa uma virtude por si mesma. Um Ministro da Educação ( Nuno Crato ) que para mim é a melhor escolha. Uma Ministra da Justiça ( Paula Teixeira da Cruz ) que não me agrada ouvir mas cuja competência é badalada.  Um Ministro da Defesa ( Aguiar Branco ) que faz, como muitos outros, um pouco de tudo. Um Ministro da Administração Interna  ( Miguel Macedo ) que teve a recompensa pela sua lealdade a Coelho. Uma Ministra Todo-o-Terreno ( Assunção Cristas) que deve descender de Albert Einstein, uma vez que domina as matérias  da Agricultura, do Ambiente e do Ordenamento do Território. Ah, e era Professora de Direito das Obrigações ( Direito Privado) na Universidade Nova de Lisboa. Um Ministro dos Assuntos Parlamentares ( Miguel Relvas ) que para bem da nossa moral, mostra que todos podemos vir a ser ministros. E um Ministro da Segurança Social ( Pedro Mota Soares ) que do partido a que pertence é o melhorzinho.
E no final fica a questão, onde estão os ministérios do Trabalho e da Cultura? Ah, pois... desde quando é que a Troika se preocupa com essas questões.

domingo, 5 de junho de 2011

Eleições legislativas 2011

Partido - PPD/PSD             
Percentagem eleitoral- 38,63%
Número de votos - 2.145.452
Deputados eleitos - 105 Deputados Eleitos
Partido - PS
Percentagem eleitoral-28,05%
Número de votos - 1.557.864
Deputados eleitos - 73 Deputados Eleitos
Partido – CDS/PP
Percentagem eleitoral-11,74%
Número de votos -652.194
 Deputados eleitos-24  Deputados Eleitos
Partido - CDU
Percentagem eleitoral - 7,94%
Número de votos - 440.850
Deputados eleitos - 16  Deputados Eleitos
Partido - BE
Percentagem eleitoral - 5,19%
Número de Votos - 288.076
Deputados eleitos - 8Deputados Eleitos
Partido - PCTP/MRPP (e mais uma vez, “0 maior dos pequenos partidos”)
Percentagem eleitoral - 1,13%
Número de Votos - 62.491
Deputados eleitos - 0
Deputados Eleitos

O Coelho saiu da cartola porque José Sócrates atingiu um grau de insuportabilidade considerável. O PP aumentou a sua representação mas teve menos do que era esperado… A CDU teve um resultado positivo, ridicularizando as eternas especulações sobre a sua “inevitável” decadência. Já o BE, uma noite para esquecer. Talvez a moderação do discurso possa ser a melhor receita para que o BE reconquiste e conquiste maior representatividade parlamentar. Afinal, o seu crescimento está nos eleitores do PS e não da CDU, como escreveu Daniel Oliveira no “arrastão”.

terça-feira, 31 de maio de 2011

Um-dó-li-tá

Os pequenos partidos reuniram-se na Associação 25 de Abril para debaterem ideias e unirem esforços no combate que travam contra a pouca atenção prestada pela comunicação social às suas campanhas. A iniciativa partiu do Partido Humanista que procurou reunir todos os partidos, incluindo os que dispõem de assento parlamentar.
Na esfera dos pequenos partidos a adesão foi muito positiva, porém, e para pecado da democracia, nenhum dos cinco grandes partidos se fez presenciar nesta reunião. É uma pena que BE e PCP não tenham aproveitado esta oportunidade para corresponderem com elevação à dinâmica inerente ao funcionamento da democracia.
Destes pequenos partidos, a meu ver, dever-se-á destacar o MRPP. Não pelo partido em si, mas pelo homem que o lidera, Garcia Pereira. Para além de um verdadeiro homem de esquerda, e para além da sua brilhante carreira como advogado, é provavelmente a pessoa que mais se esforçou, trabalhou e se empenhou para ser Deputado da República, sem nunca o ter conseguido.
Até agora tenho confiado o meu voto ao partido que considero melhor defender os interesses do país e fi-lo sempre com a máxima convicção. Hoje, encontro-me indeciso entre um partido no qual confio e um homem que admiro. Talvez decida já na cabine de voto, sob a pressão de uma suposta celeridade presente no momento de votar. Será que, se eu ficasse lá durante três horas, alguém poderia, legalmente, obrigar-me a sair? Posso sempre recorrer à ancestral táctica infantil do “um-dó-li-tá”.
Bom, aquilo que quero transmitir é que a esquerda ganharia com a eleição de Garcia Pereira para Deputado, o que já esteve muito perto de acontecer. Numa fase onde o mercado laboral se encontra em grandes dificuldades, colocando os direitos dos trabalhadores em risco, seria benéfico que no parlamento estivesse o homem que é, provavelmente, o maior especialista de Direito do Trabalho em Portugal.
Que o leitor não veja aqui qualquer tipo de propaganda. Trata-se, simplesmente, de um desabafo de um eleitor indeciso. 

quarta-feira, 18 de maio de 2011

A crise em 11 minutos e 11 segundos...

The Empathic Civilisation

A Revolução Ultra-Liberal

Radicais. Extremistas. Demagogos. São os adjectivos que a direita usa para classificar a esquerda. Mas se analisarmos o programa eleitoral apresentado pelo PSD para estas legislativas, são estes os adjectivos que nos vêm à cabeça.
Pedro Passos Coelho, caso vença as eleições e consiga levar avante as suas propostas, vai provocar a maior mudança política desde a revolução de Abril. A grande diferença, é que desta vez ela vem disfarçada pela capa da social-democracia. Desta vez o povo não vai sair à rua para a festejar, nem para a apoiar positivamente.
Ao lermos este programa, que é vendido na comunicação social como o "melhor programa eleitoral em Portugal", percebemos logo duas coisas. Primeiro, o PSD prepara-se para destruir, em 4 anos, as conquistas sociais que demoraram 40 anos a conquistar, sobre o bastião de um emagrecimento do Estado. Segundo, que o que este partido se propõe a fazer em prol do crescimento económico, do aumento de receitas, da competitividade é vago, demagógico, e pouco claro nas suas orientações politicas.
“O gordo”, o Estado português (que segundo eles só engordou nestes anos de Sócrates), vai passar a ser “o anoréctico”. Privatizações das empresas públicas que nos dão garantia como eleitores de ainda decidirmos algo neste país; despedimentos em toda a função pública, "reestruturações" em todos os ministérios (o da Cultura é para aniquilar); aumento do IVA, diminuição da TSU. Sobre as parcerias público-privadas e sobre os gastos desmesurados de executivos como, por exemplo o do Governo Regional da Madeira, nada!
E para pagar o empréstimo do FMI? Um pequeno parágrafo sobre a intenção de aumentar a receita fiscal. Mas ninguém sabe bem como. Os offshore da Madeira, uma porta escancarada para a fuga de capital do nosso país, parece nem existir no "melhor programa alguma vez apresentado em Portugal".
Aos trabalhadores espera-lhes o previsto pelo nosso amigo FMI, e um pouco mais ainda: despedimentos, flexibilização, reduções e reestruturações, as duas palavras preferidas deste programa. Outras áreas, que se sabem ser um podre deste país como a Justiça e Educação, apenas umas simples notas de intenções. A corrupção, o clientelismo, a promiscuidade entre poder político e poder económico nem a notas de intenção têm direito. Aqui é de notar alguma coerência, pois já que Passos Coelho se propõe a acabar com o poder político, não vale a pena perder tempo.
Ficam-se a rir os banqueiros, que terão de novo dinheiro para se endividar até a exaustão, os grandes empresários, que podem comprar empresas públicas em saldo para depois colocarem os lucros na Madeira sem que nada nem ninguém cresça economicamente com isso. O FMI e a Comissão Europeia, na ignorância de quem não sabe que não vai haver dinheiro para pagar o “castigo” que nos aplicaram.
Se esta Revolução Ultra-Liberal acontecer, não teremos, como na última revolução, o Largo do Carmo cheio de pessoas, gritando e cantado liberdade, de cravo na mão. Estaremos ocupados nas filas do Centro de Emprego à espera de uma esmola, ou então a apanhar o próximo avião para um fim do mundo melhor que este.

segunda-feira, 2 de maio de 2011

Opinião de quem não integra o "pensamento único"

O arco da austeridade

por Sandra Monteiro

Na sequência da reprovação pelas oposições parlamentares do quarto programa de estabilidade e crescimento (PEC IV), o governo demitiu-se e estão agora marcadas eleições legislativas para o dia 5 de Junho. Com a dissolução da Assembleia, depressa os meios de comunicação social foram inundados por considerações sobre a responsabilidade, ou falta dela, de se juntar uma crise política às outras crises que já afectam o país. Mas será possível enveredar pelo austeritarismo, que está hoje no centro das recomposições que a crise impôs nas clivagens políticas, e escapar a alguma das dimensões da crise que esse programa aprofunda, quando ainda por cima as diversas dimensões da crise actuam umas sobre as outras?

No fogo cruzado das acusações sobre a dissolução do Parlamento, marcadas por uma fulanização que prenuncia já a ligeireza política do debate que aí vem, tiveram de passar vários dias até que os media recentrassem a informação em matéria relevante para compreender o que se passava. Quando Pedro Passos Coelho publicou um artigo no The Wall Street Journal [1], destinado a tranquilizar os «mercados internacionais» quanto ao sentido da votação do seu partido, lá se disse aos portugueses que o Partido Social Democrata (PSD) se recusou a viabilizar o mais recente PEC por entender que as propostas de austeridade do governo «não iam suficientemente longe».

O «arco austeritário», de que fazem hoje parte o Partido Socialista (PS) e as formações à sua direita, mantinha-se portanto intacto. De facto, para se observar as fendas que abrem por toda a parte, o sítio para onde se deve olhar é para a vida concreta das pessoas que são atingidas pelas políticas de austeridade.

É aí que o desemprego e a precariedade, os baixos salários e a degradação dos serviços públicos e do Estado social, já em curso ou em projecto, revelam o verdadeiro rosto da tão falada «oportunidade» que a crise representa: para o neoliberalismo, a resposta austeritária é um salto de gigante no sentido da regressão social e da exploração laboral.

Este programa, que constrói sociedades cada vez mais marcadas por desigualdades socioeconómicas, como acontece em Portugal, é indissociável de um processo de financeirização das economias no âmbito do qual os Estados desistiram do controlo político dos mercados e aceitaram ser seus dependentes. É também indissociável, no caso dos países europeus, e sobretudo das economias periféricas, da aceitação de uma integração desastrosa na União Europeia que hoje constrange enormemente quaisquer possibilidades de recuperação.

Mas este programa seria também incompreensível sem a capacidade que os meios de comunicação social têm hoje de delimitar o campo do possível, afunilando o pluralismo de perspectivas e generalizando, no caso vertente, a ideia de que não há resposta viável à crise que não seja a austeridade. Não o fazem discutindo as vantagens e as desvantagens dessa resposta, convocando para o debate os seus defensores e os seus opositores. Fazem-no pres¬supondo que o austeritarismo é um campo consensual (mesmo que desagradável...) e, mais ainda, que é o único quadro possível e realista para a governação do país.

É isso que explica, por exemplo, que as referências na comunicação social ao que podia ser chamado um «arco da austeridade» surjam sempre na forma de «arco da governação». Mais do que exprimir a vontade de quem se opõe à austeridade de participar ou não na governação, este discurso sinaliza que esse arco não admite os anti-austeritários. É aliás curioso o modo como, recentemente, até se tem generalizado mais a expressão «arco da governabilidade». Já não se trata apenas de identificar os que terão direito a aceder à governação, mas de definir quem é que, uma vez lá chegado (e, em rigor, nunca se sabe que surpresas as eleições reservam), poderá ter condições de assegurar a «governabilidade», isto é, garantir alguma estabilidade nacional e internacional na condução das políticas.

Não deixa de ser paradoxal para a democracia que seja justamente quando a crise chega à política e quando a instabilidade, estrutural ao funcionamento do neoliberalismo, ameaça traduzir-se também em processos eleitorais mais frequentes, que os cidadãos estejam a ser chamados para eleger representantes que, a menos que contestem os caminhos da integração nacional na União Europeia, e a relação desta com instituições como o Fundo Monetário Internacional (FMI), terão uma fraquíssima autonomia de decisão política.

Por outro lado, cada vez que o espaço mediático é ocupado, sem contraditório, por quem recorre a todos os dispositivos retóricos para encobrir os (evitáveis) efeitos corrosivos da austeridade e para insistir nas vantagens de ter no poder o «arco da governabilidade», é caso para pensar nas consequências que poderá ter para a estabilidade de todo este edifício comunicacional um escrutínio cidadão continuado das respectivas práticas jornalísticas e representações da sociedade.

É caso também para pensar na importância que os movimentos populares e toda a luta no terreno social poderão ter, neste contexto político-económico, para impedir que em breve sejamos todos confrontados com uma outra dimensão da crise, tão anunciada quanto a social e a política, que é a da corrosão dos laços de confiança e de solidariedade que tende a desintegrar as comunidades onde se permite o aprofundamento imoral das desigualdades, num fosso que de um lado acumula arrogância e do outro sofrimento. Que neste mês de Abril, 37 anos depois de a democracia ter saído à rua, os portugueses saibam recuperar na contestação ao «arco da austeridade» o que essa contestação representa de mais nobre: a defesa do «espírito da igualdade».

quinta-feira 7 de Abril de 2011
Notas

[1] «Our Plan to Fix Portugal», The Wall Street Journal, Nova Iorque, 30 de Março de 2011.

quinta-feira, 21 de abril de 2011

Acordar do desacordo

Estamos a viver um período histórico. Os motivos estendem-se por vários acontecimentos, desde a crise económico-financeira à escala global, que arrasta consigo um conjunto de consequências como a necessidade de repensar paradigmas, até às transformações que ocorrem no mundo árabe, cujas consequências o tempo demonstrará.
Como se sabe, é um período que não deixará boas recordações em muitos países. Nalguns, como Portugal, a situação atinge contornos um tanto ou quanto assustadores. Cada um terá as suas próprias responsabilidades, cada um terá que fazer as reformas adequadas à sua realidade, porém, quando se constata que a pobreza global não cessa de aumentar, que as desigualdades não cessam de aumentar, que o desemprego não cessa de aumentar, que o índice de depressões (nos países desenvolvidos) não cessa de aumentar e que a degradação ambiental parece perpetuar-se, poder-se-á dizer que algo vai podre nas políticas defendidas e praticadas pelas instâncias económicas internacionais.
O desânimo desaguou no mundo “desenvolvido”. Passeia-se nos grandes centros urbanos, enegrecendo perspectivas, tornando apáticos os espíritos e causando um afastamento entre a sociedade civil e a política. Quando a confiança dos governados sobre os governantes se dissipa, a resignação torna-se o alimento da continuidade e a intervenção o alimento da mudança.
Mas, onde está o centro congregador de esforços para concretizar essas mudanças? Estarão as famílias de esquerda condenadas ao desentendimento? Se é verdade que as internacionais socialistas se tornaram incipientes, pouco congregadoras e infrutíferas, também é verdade que quem ganha com esta dispersão ideológica é a direita.
Caso se chegasse a um acordo que aglutinasse um conjunto considerável de correntes de esquerda, capaz de representar um projecto global que partisse da análise da realidade socioeconómica actual para apresentar as transformações estruturais a serem executadas globalmente, levantar-se-ia uma alternativa ao capitalismo à escala mundial. E é esta a dimensão que uma alternativa forte deve ter, uma vez que os pilares do actual sistema não estão sedimentados em pátria alguma. Aliás, como afirmou aquele senhor barbudo, “O Capital não tem pátria”.