quarta-feira, 29 de junho de 2011

Contornos medievais de um actual sistema de justiça criminal

 A propósito do mediático caso “Strauss-Kahn”, interessa olhar e avaliar o sistema de justiça criminal estado-unidense, que apesar das diferenças legais entre os Estados, nomeadamente na consideração que fazem sobre a pena de morte, pode ser analisado na sua unidade. 
O facto de os EUA terem a maior taxa de encarceramento do mundo, demonstra, desde logo, o reflexo de um sistema repressivo. Um sistema que, segundo um estudo realizado em 2009 pelo centro de pesquisas norte-americano Pew Center, coloca um em cada cem norte-americanos adultos na prisão e um em cada quarenta e cinco em liberdade condicional!
O peso da pena aplicada aos condenados é impulsionado no caso de se tratar de reincidência, seja qual for a gravidade do acto criminoso. Isto pode levar a que um indivíduo que tenha sido pela segunda vez apanhado a vender droga, mesmo que o valor da mercadoria ilegal que transaccionava não passasse de 15 dólares, a ficar preso por um período de dez anos. Este exemplo é o reflexo de um sistema que aplica sanções duríssimas de forma rotineira e vulgar. Escassos recursos são utilizados para a reabilitação dos reclusos, sabendo-se que o enclausuramento prolongado não os reabilita, estimulando antes o seu comportamento violento. A dimensão do orçamento para o sistema prisional, representa o desperdício de fundos que podiam ser dirigidos para o desenvolvimento de programas de prevenção da criminalidade, para a melhoria das escolas públicas, para reabilitar as áreas urbanas, etc.      
Pessoas como Strauss-Kahn, acusadas de crimes sexuais (os quais, pessoalmente, são dos que mais me indignam e enfurecem), caso sejam condenadas, para além das décadas de prisão a cumprir, o que é justo, uma vez que os seus actos se perpetuam na memória das vítimas, são obrigadas a inscrever-se no registo de “sex offenders” (agressores sexuais), o qual constitui uma lista negra de acesso público.
Antes das considerações filosóficas e morais sobre um sistema criminal repressivo, deve-se centrar as atenções para uma patologia do sistema de justiça em praticamente todos os países. Os indivíduos mais abastados são alvo de uma sentença distinta relativamente aos restantes, uma vez que, possuindo meios para contratar grandes advogados, vêem a lei ser-lhes aplicada de forma diferente. Assim, no caso dos EUA, as sanções draconianas são impostas aos mais pobres, principalmente aos negros e latino-americanos.   
Em muitíssimas ocasiões, o sistema de justiça estado-unidense promove a condenação sem julgamento. Na sua maioria, os processos penais são resolvidos através de acordos entre o Ministério Público e o acusado, onde se implementa uma condenação mais suave como contrapartida para o Estado evitar despesas de julgamento. No caso de o acusado ser condenado por um crime do qual poderia se ter declarado culpado, o juiz aplica-lhe uma sanção maior que se designa por “trial tax”, ou seja, aplica-lhe uma “espécie” de “imposto sobre julgamento”. Desta forma, poucos réus se dispõem a ir a julgamento.  
Muitos dos altos responsáveis do sistema judicial americano, ignoram as ciências sociais e humanas, designadamente a criminologia, mostrando indiferença perante os estudos que demonstram as grandes lacunas do respectivo sistema penal.
Os EUA são, assim, o exemplo perfeito do facto de a repressão criminal não tornar uma sociedade mais segura, pois representam o país com as maiores taxas de homicídio do Ocidente, com larga vantagem sobre os que se seguem.

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