terça-feira, 31 de maio de 2011

Um-dó-li-tá

Os pequenos partidos reuniram-se na Associação 25 de Abril para debaterem ideias e unirem esforços no combate que travam contra a pouca atenção prestada pela comunicação social às suas campanhas. A iniciativa partiu do Partido Humanista que procurou reunir todos os partidos, incluindo os que dispõem de assento parlamentar.
Na esfera dos pequenos partidos a adesão foi muito positiva, porém, e para pecado da democracia, nenhum dos cinco grandes partidos se fez presenciar nesta reunião. É uma pena que BE e PCP não tenham aproveitado esta oportunidade para corresponderem com elevação à dinâmica inerente ao funcionamento da democracia.
Destes pequenos partidos, a meu ver, dever-se-á destacar o MRPP. Não pelo partido em si, mas pelo homem que o lidera, Garcia Pereira. Para além de um verdadeiro homem de esquerda, e para além da sua brilhante carreira como advogado, é provavelmente a pessoa que mais se esforçou, trabalhou e se empenhou para ser Deputado da República, sem nunca o ter conseguido.
Até agora tenho confiado o meu voto ao partido que considero melhor defender os interesses do país e fi-lo sempre com a máxima convicção. Hoje, encontro-me indeciso entre um partido no qual confio e um homem que admiro. Talvez decida já na cabine de voto, sob a pressão de uma suposta celeridade presente no momento de votar. Será que, se eu ficasse lá durante três horas, alguém poderia, legalmente, obrigar-me a sair? Posso sempre recorrer à ancestral táctica infantil do “um-dó-li-tá”.
Bom, aquilo que quero transmitir é que a esquerda ganharia com a eleição de Garcia Pereira para Deputado, o que já esteve muito perto de acontecer. Numa fase onde o mercado laboral se encontra em grandes dificuldades, colocando os direitos dos trabalhadores em risco, seria benéfico que no parlamento estivesse o homem que é, provavelmente, o maior especialista de Direito do Trabalho em Portugal.
Que o leitor não veja aqui qualquer tipo de propaganda. Trata-se, simplesmente, de um desabafo de um eleitor indeciso. 

quarta-feira, 18 de maio de 2011

A crise em 11 minutos e 11 segundos...

The Empathic Civilisation

A Revolução Ultra-Liberal

Radicais. Extremistas. Demagogos. São os adjectivos que a direita usa para classificar a esquerda. Mas se analisarmos o programa eleitoral apresentado pelo PSD para estas legislativas, são estes os adjectivos que nos vêm à cabeça.
Pedro Passos Coelho, caso vença as eleições e consiga levar avante as suas propostas, vai provocar a maior mudança política desde a revolução de Abril. A grande diferença, é que desta vez ela vem disfarçada pela capa da social-democracia. Desta vez o povo não vai sair à rua para a festejar, nem para a apoiar positivamente.
Ao lermos este programa, que é vendido na comunicação social como o "melhor programa eleitoral em Portugal", percebemos logo duas coisas. Primeiro, o PSD prepara-se para destruir, em 4 anos, as conquistas sociais que demoraram 40 anos a conquistar, sobre o bastião de um emagrecimento do Estado. Segundo, que o que este partido se propõe a fazer em prol do crescimento económico, do aumento de receitas, da competitividade é vago, demagógico, e pouco claro nas suas orientações politicas.
“O gordo”, o Estado português (que segundo eles só engordou nestes anos de Sócrates), vai passar a ser “o anoréctico”. Privatizações das empresas públicas que nos dão garantia como eleitores de ainda decidirmos algo neste país; despedimentos em toda a função pública, "reestruturações" em todos os ministérios (o da Cultura é para aniquilar); aumento do IVA, diminuição da TSU. Sobre as parcerias público-privadas e sobre os gastos desmesurados de executivos como, por exemplo o do Governo Regional da Madeira, nada!
E para pagar o empréstimo do FMI? Um pequeno parágrafo sobre a intenção de aumentar a receita fiscal. Mas ninguém sabe bem como. Os offshore da Madeira, uma porta escancarada para a fuga de capital do nosso país, parece nem existir no "melhor programa alguma vez apresentado em Portugal".
Aos trabalhadores espera-lhes o previsto pelo nosso amigo FMI, e um pouco mais ainda: despedimentos, flexibilização, reduções e reestruturações, as duas palavras preferidas deste programa. Outras áreas, que se sabem ser um podre deste país como a Justiça e Educação, apenas umas simples notas de intenções. A corrupção, o clientelismo, a promiscuidade entre poder político e poder económico nem a notas de intenção têm direito. Aqui é de notar alguma coerência, pois já que Passos Coelho se propõe a acabar com o poder político, não vale a pena perder tempo.
Ficam-se a rir os banqueiros, que terão de novo dinheiro para se endividar até a exaustão, os grandes empresários, que podem comprar empresas públicas em saldo para depois colocarem os lucros na Madeira sem que nada nem ninguém cresça economicamente com isso. O FMI e a Comissão Europeia, na ignorância de quem não sabe que não vai haver dinheiro para pagar o “castigo” que nos aplicaram.
Se esta Revolução Ultra-Liberal acontecer, não teremos, como na última revolução, o Largo do Carmo cheio de pessoas, gritando e cantado liberdade, de cravo na mão. Estaremos ocupados nas filas do Centro de Emprego à espera de uma esmola, ou então a apanhar o próximo avião para um fim do mundo melhor que este.

segunda-feira, 2 de maio de 2011

Opinião de quem não integra o "pensamento único"

O arco da austeridade

por Sandra Monteiro

Na sequência da reprovação pelas oposições parlamentares do quarto programa de estabilidade e crescimento (PEC IV), o governo demitiu-se e estão agora marcadas eleições legislativas para o dia 5 de Junho. Com a dissolução da Assembleia, depressa os meios de comunicação social foram inundados por considerações sobre a responsabilidade, ou falta dela, de se juntar uma crise política às outras crises que já afectam o país. Mas será possível enveredar pelo austeritarismo, que está hoje no centro das recomposições que a crise impôs nas clivagens políticas, e escapar a alguma das dimensões da crise que esse programa aprofunda, quando ainda por cima as diversas dimensões da crise actuam umas sobre as outras?

No fogo cruzado das acusações sobre a dissolução do Parlamento, marcadas por uma fulanização que prenuncia já a ligeireza política do debate que aí vem, tiveram de passar vários dias até que os media recentrassem a informação em matéria relevante para compreender o que se passava. Quando Pedro Passos Coelho publicou um artigo no The Wall Street Journal [1], destinado a tranquilizar os «mercados internacionais» quanto ao sentido da votação do seu partido, lá se disse aos portugueses que o Partido Social Democrata (PSD) se recusou a viabilizar o mais recente PEC por entender que as propostas de austeridade do governo «não iam suficientemente longe».

O «arco austeritário», de que fazem hoje parte o Partido Socialista (PS) e as formações à sua direita, mantinha-se portanto intacto. De facto, para se observar as fendas que abrem por toda a parte, o sítio para onde se deve olhar é para a vida concreta das pessoas que são atingidas pelas políticas de austeridade.

É aí que o desemprego e a precariedade, os baixos salários e a degradação dos serviços públicos e do Estado social, já em curso ou em projecto, revelam o verdadeiro rosto da tão falada «oportunidade» que a crise representa: para o neoliberalismo, a resposta austeritária é um salto de gigante no sentido da regressão social e da exploração laboral.

Este programa, que constrói sociedades cada vez mais marcadas por desigualdades socioeconómicas, como acontece em Portugal, é indissociável de um processo de financeirização das economias no âmbito do qual os Estados desistiram do controlo político dos mercados e aceitaram ser seus dependentes. É também indissociável, no caso dos países europeus, e sobretudo das economias periféricas, da aceitação de uma integração desastrosa na União Europeia que hoje constrange enormemente quaisquer possibilidades de recuperação.

Mas este programa seria também incompreensível sem a capacidade que os meios de comunicação social têm hoje de delimitar o campo do possível, afunilando o pluralismo de perspectivas e generalizando, no caso vertente, a ideia de que não há resposta viável à crise que não seja a austeridade. Não o fazem discutindo as vantagens e as desvantagens dessa resposta, convocando para o debate os seus defensores e os seus opositores. Fazem-no pres¬supondo que o austeritarismo é um campo consensual (mesmo que desagradável...) e, mais ainda, que é o único quadro possível e realista para a governação do país.

É isso que explica, por exemplo, que as referências na comunicação social ao que podia ser chamado um «arco da austeridade» surjam sempre na forma de «arco da governação». Mais do que exprimir a vontade de quem se opõe à austeridade de participar ou não na governação, este discurso sinaliza que esse arco não admite os anti-austeritários. É aliás curioso o modo como, recentemente, até se tem generalizado mais a expressão «arco da governabilidade». Já não se trata apenas de identificar os que terão direito a aceder à governação, mas de definir quem é que, uma vez lá chegado (e, em rigor, nunca se sabe que surpresas as eleições reservam), poderá ter condições de assegurar a «governabilidade», isto é, garantir alguma estabilidade nacional e internacional na condução das políticas.

Não deixa de ser paradoxal para a democracia que seja justamente quando a crise chega à política e quando a instabilidade, estrutural ao funcionamento do neoliberalismo, ameaça traduzir-se também em processos eleitorais mais frequentes, que os cidadãos estejam a ser chamados para eleger representantes que, a menos que contestem os caminhos da integração nacional na União Europeia, e a relação desta com instituições como o Fundo Monetário Internacional (FMI), terão uma fraquíssima autonomia de decisão política.

Por outro lado, cada vez que o espaço mediático é ocupado, sem contraditório, por quem recorre a todos os dispositivos retóricos para encobrir os (evitáveis) efeitos corrosivos da austeridade e para insistir nas vantagens de ter no poder o «arco da governabilidade», é caso para pensar nas consequências que poderá ter para a estabilidade de todo este edifício comunicacional um escrutínio cidadão continuado das respectivas práticas jornalísticas e representações da sociedade.

É caso também para pensar na importância que os movimentos populares e toda a luta no terreno social poderão ter, neste contexto político-económico, para impedir que em breve sejamos todos confrontados com uma outra dimensão da crise, tão anunciada quanto a social e a política, que é a da corrosão dos laços de confiança e de solidariedade que tende a desintegrar as comunidades onde se permite o aprofundamento imoral das desigualdades, num fosso que de um lado acumula arrogância e do outro sofrimento. Que neste mês de Abril, 37 anos depois de a democracia ter saído à rua, os portugueses saibam recuperar na contestação ao «arco da austeridade» o que essa contestação representa de mais nobre: a defesa do «espírito da igualdade».

quinta-feira 7 de Abril de 2011
Notas

[1] «Our Plan to Fix Portugal», The Wall Street Journal, Nova Iorque, 30 de Março de 2011.